O menino negro, a BMW, os ricos e nós todos
Não é só em concessionárias BMW, é também na Audi e
Mercedes. Também não é só em concessionárias: é nos restaurantes caros, nos
shoppings e nos desenhos animados. Criança maltrapilha vira problema sanitário,
praga e quebra da harmonia estética: “xô, daqui!”. E se for negra, então...
Claro, estou falando do caso do menino que teria sido vítima
de racismo numa concessionária BMW. Teria, pois os fatos ainda não estão de
todo esclarecidos. Seria racismo – isto é se sua “raça”, e não sua condição de
criança, vestimenta ou confusão entre o “menino-cliente” e o “menino de rua”,fosse
o mote da expulsão. Todas as outras hipóteses são também reprováveis, mas não
racismo.
Mas avancemos.
O que aconteceria se,
numa concessionária para “gente diferenciada” e que gosta de se diferenciar,
houvesse um menino-pedinte? Branco, negro, amarelo ou verde com antenas?
Emporcalharia o ambiente. Esse é o pensamento habitual. Por
isso somos viciados em atendimentos Vips, ou seja: sem os perdedores do
sistema.
Seguranças e funcionários, mas também policiais, são muitas
vezes treinados para detectar a quebra da “salubridade”, do bom ar dos felizes
proprietários. Ou os da esquina nunca descobriram que seria melhor pedir no
shopping, ou nas marinas e hangares, onde ricos e autoridades fogem do mundo
dos sarnentos?
O menino entrou na BMW e foi expulso. Foi um erro pessoal.
Mas sobretudo a realização de uma das práticas mais corriqueiras da nossa
sociedade. E quem quiser apontar o dedo que primeiro olhe quantos diferentes
conseguem acesso ao seu mundinho feliz de asséptica hipocrisia.
E depois saia no seu carro de meio milhão pedindo mais
igualdade.
Sandro Sell